Nos últimos anos, o Brasil passou por uma transformação silenciosa, mas profunda, no seu modelo de financiamento de campanhas eleitorais. Saímos do regime predominantemente privado financiado por empresas, doações individuais e estruturas paralelas para um regime de financiamento público, em que os recursos destinados às campanhas saem diretamente do orçamento da União.
Assim como é fundamental investir em saúde, educação, segurança, tecnologia e infraestrutura, também é essencial investir no processo democrático, pois é ele que sustenta e fortalece as instituições responsáveis por manter toda essa estrutura de poder e garantir o funcionamento do Estado.
O financiamento público das campanhas não deve ser visto como um vilão ou desperdício, mas como um instrumento de inclusão política e fortalecimento institucional, capaz de permitir que pessoas sem grande poder econômico também tenham voz e possam disputar espaços de representação.
Esses recursos públicos chegam aos partidos políticos por meio de dois grandes instrumentos: o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido popularmente como Fundo Eleitoral. A base de cálculo para a distribuição entre os partidos é objetiva: 2%, divididos igualitariamente entre todas as legendas com estatutos registrados no TSE; 35%, divididos entre os partidos que tenham, pelo menos, um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição; 48%, divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, consideradas as legendas dos titulares; 15%, divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.
Até aqui, parece haver racionalidade. Mas é a partir da distribuição interna desses recursos que a democracia partidária começa a se deformar. A legislação eleitoral impõe apenas dois critérios específicos e obrigatórios: 30% do total dos recursos devem ser destinados às candidaturas femininas; dentro dessa parcela, deve-se observar a proporcionalidade das candidaturas negras.
Fora disso, o resto da verba e estamos falando da maior parte é distribuído a critério exclusivo dos dirigentes partidários, amparados pela autonomia garantida constitucionalmente aos partidos políticos. Na prática, isso significa que a escolha sobre quem recebe quanto passa a depender da vontade política de poucos muitas vezes, da cúpula partidária e não de critérios objetivos, transparentes ou republicanos.
O resultado é perverso os candidatos sem vínculos diretos com a direção partidária, ou que ousam divergir internamente, ficam de fora da partilha. A democracia que deveria florescer dentro dos partidos, portanto, é sufocada pelo centralismo de suas próprias estruturas, surgindo a figura dos caciques ou donos dos partidos. Só para ilustrar a ideia que estamos falando em grandes somas de recursos seguem os exemplos das três maiores fatias recebidas pelos partidos nas eleições 2024, primeiro lugar foi o PL que recebeu 886,8 milhões, já o segundo maior repasse ficou com PT 619,8 milhões e o UNIÃO BRASIL abocanhou 536,5 milhões, sendo o terceiro da lista geral.
Enquanto o discurso público fala em pluralidade, o que se observa, em muitos casos, é a reprodução de velhas oligarquias internas, que decidem quem terá visibilidade e quem permanecerá invisível mesmo antes do voto popular.
E aqui está o ponto crítico se o dinheiro é público, ele deveria obedecer a critérios públicos. Recursos oriundos do orçamento da União não podem ser tratados como propriedade privada de partidos políticos. É paradoxal que, em nome da autonomia partidária, regra constitucional, perpetuem-se mecanismos de exclusão interna que negam a essência democrática.
Portanto, repensar a forma de distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral é repensar a própria democracia brasileira. Não se trata apenas de contabilidade, mas de coerência não há como falar em igualdade de condições na urna se, antes dela, candidatos precisam vencer o obstáculo invisível da escassez imposta por interesses internos. A justiça eleitoral, ao zelar pela lisura do processo, não pode ignorar que a lisura também começa na origem dos recursos na forma como eles são divididos.
Em suma, o amadurecimento da nossa democracia passa necessariamente por critérios mais justos, transparentes e vinculantes na destinação dos fundos públicos. O problema não está na origem do dinheiro que é pública e legítima, mas na forma como esses recursos são tratados e geridos pelos partidos políticos, muitas vezes sem critérios objetivos, sem transparência e sem compromisso com a igualdade interna.
Quando o dinheiro que deveria servir à democracia é administrado como patrimônio privado, o ideal republicano se enfraquece, e o sistema político, que deveria ser plural, acaba servindo a pouco. Se o objetivo é fortalecer o sistema representativo, é imperioso que a igualdade de oportunidades não seja um discurso, mas uma prática ancorada na justiça, na transparência e na responsabilidade ética com o dinheiro do povo.
Sobre o autor

Wesley Araújo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos. Além de sua destacada atuação na advocacia, é também radialista e palestrante reconhecido na área de comunicação assertiva, onde desenvolve treinamentos, palestras e cursos voltados ao aprimoramento da comunicação pessoal e profissional. Atua como comentarista jurídico e político, unindo sua sólida formação acadêmica à habilidade prática de traduzir temas complexos para uma linguagem clara, objetiva e acessível ao grande público.










