A quebra do limite máximo de idade de 50 anos para prestar concurso na carreira do magistério público municipal de Aracaju, sacramentada pelo Projeto de Lei Complementar nº 7/2025, encerrou uma batalha judicial e abriu caminho para o ingresso de professores dotados da valiosa bagagem da maturidade.
Até então, uma lei municipal impedia que profissionais acima dos 50 anos participassem dos concursos para professor.
Um dos rostos dessa conquista é Roberto Dantas, de 54 anos. Formado em Administração, trabalhou anos na área petrolífera, mas migrou para o curso de Ciências da Religião na Universidade Federal de Sergipe e apostou no sonho antigo de lecionar.
No último concurso da rede municipal, conquistou o segundo lugar, mas a alegria da aprovação logo foi substituída pela incerteza.

“Quando eu vi que o concurso estava sendo judicializado por conta da idade, pensei: ‘meu Deus do céu, será que nem concurso público eu vou poder fazer?’, porque é difícil o mercado absorver novamente esses profissionais, que têm experiência, mas com mais idade. Isso foi angustiante, mas depois teve um final feliz”, conta.
A mudança só veio quando o Executivo encaminhou à Câmara o projeto de lei que eliminava a restrição etária. A proposta foi aprovada e, sancionada, permitiu a convocação dos docentes antes impedidos. No dia 29 de setembro, Roberto iniciou sua jornada na Escola Municipal Juscelino Kubitschek, no bairro Coroa do Meio.
Para ele, sua vivência se torna um ativo em sala de aula. Roberto acredita que o aluno ganha não só com os conteúdos, mas com o olhar maduro que profissionais mais experientes carregam.
“Agora sim eu vou me realizar enquanto pessoa, enquanto professor. E quando soa aquele termo ‘professor Roberto’, isso mexe muito, é como dar essa experiência de vida, ajudando na formação dos alunos com as várias áreas onde eu atuei. É aquilo que eu sempre quis fazer, e hoje o sentimento é o de estar ativo e querer retribuir isso”, completa.
A medida não apenas corrige uma distorção legal, mas reconhece o valor da experiência e da longevidade profissional, abrindo as portas da rede de ensino para professores com 50 anos ou mais.
A consultora extraordinária da Semed, Dayse Prado, considera que a presença de docentes mais experientes amplia a diversidade de perfis e fortalece a prática pedagógica.
“A chegada desses profissionais que já têm uma base teórica muito bem praticada dentro da sua formação, e uma prática de longevidade de trabalho, olhando como é o aluno hoje, quais são as necessidades que ele tem, quais são as metodologias que são propícias para esses estudantes de hoje, é bem diferente do que, às vezes, a gente aprende na academia com os teóricos”, relata.
Dayse também combate o preconceito de que a idade mais avançada implica diretamente em limitações físicas ou intelectuais.
“Existe uma ideia de que uma pessoa de 50 anos é aquela pessoa de 50 anos de 50 anos atrás: uma pessoa que não consegue se abaixar para pegar uma criança e que não consegue monitorar aquelas crianças dentro da sala de aula porque o corpo não responde. E a gente sabe que não é assim, as pessoas têm se cuidado muito com relação ao corpo e a mente”, afirma.

A consultora também destaca que, no campo da Educação, os títulos acadêmicos, como pós-graduação, mestrado e doutorado, são muito importantes, e, na maioria das vezes, quem os detêm são pessoas mais velhas.
“Essas pessoas já têm todos esses títulos ou estão em busca deles, porque isso é importante. É essa a ideia de você ter um profissional mais experiente do ponto de vista da idade. Faz com que as pessoas percebam que existe uma maturidade, e que dentro da educação a gente é professor, a gente ensina, mas a gente também orienta em alguns caminhos”, diz ela.
Para garantir a integração desses professores, a Semed implementa formações continuadas e um acompanhamento sistemático.
Segundo Dayse, a medida tem o potencial de influenciar diretamente na autoestima e no desejo de continuidade profissional.
“Quando você percebe que, com o seu trabalho, consegue alfabetizar uma criança, você consegue ensinar uma criança a interpretar textos, você consegue fazer com que a criança saiba calcular, com certeza você se sente feliz, animado com a vida, e aí a gente entra nessa história da sobrevivência. Não é só uma questão financeira, mas também uma questão mais emocional”, afirma.
Essa dimensão social da docência também é destacada por Wilembergue Rodrigues, de 60 anos, professor de História com 27 anos de carreira no magistério público. Atuando no Centro de Excelência Atheneu Sergipense, vê na derrubada do limite etário uma oportunidade de renovação.
“Ao longo do nosso trajeto de vida, nós estamos acumulando conhecimento. E há uma possibilidade de retornar esse conhecimento para as novas gerações. É talvez a intenção de contribuir com o seu conhecimento e manter-se vivo, porque é necessário esse contato com essas novas gerações. Vai até incentivar a pessoa a continuar pesquisando, estudando, trazendo novidades”, argumenta.
Wilembergue vê o seu papel na sala de aula como um agente de transformação e incentivo.

“Eu tenho alunos que já são doutores, e eu só tenho pós-graduação. Eu digo para eles: ‘se vocês não avançarem além de onde eu cheguei, vocês vieram ao mundo e perderam a viagem’. Porque quando eu comecei a estudar, até mesmo na universidade, as condições para mim eram péssimas”, afirma.
Além da garantia de realização profissional, ele vê na atuação no magistério uma possibilidade de contribuir com a formação pessoal dos alunos.
“Eu tenho uma visão crítica, para que o aluno possa somar com as visões que ele tem e possa se transformar. E aí, sim, talvez influenciar nesse salto de transformação para a vida dele no futuro, no seu projeto de vida, que é tão importante. Eu não estou no magistério porque eu fui incapaz de fazer outro curso. Eu me realizo em sala de aula porque eu tenho responsabilidade social”, completa.
A valorização da maturidade no magistério também se conecta ao conceito de envelhecimento ativo, defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e estudado pelo professor Neilson Meneses, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
À frente do Núcleo de Pesquisa e Ações da Terceira Idade (NUPATI) e da Universidade Aberta à Terceira Idade, Neilson trabalha há mais de uma década com iniciativas voltadas à inserção e à participação social de pessoas idosas.
“A gente acolhe idosos nas disciplinas de graduação para fazer disciplinas isoladas, com o objetivo de interação social, intergeracionalidade, conviver com gerações diferentes e também estimular a memória e a autoestima deles de estarem ali. Basta ter o ensino médio, 60 anos ou mais e a pessoa pode se matricular na universidade aberta”, explica.
Segundo o professor, o núcleo está desenvolvendo instrumentos para mensurar o bem-estar nessa fase da vida.
“Nós estamos com um projeto de pesquisa exatamente sobre envelhecimento ativo, pelo qual estamos criando uma escala com várias perguntas para medir até que ponto o idoso está envelhecendo bem ou mal dos pontos de vista financeiro, emocional, da saúde e do apoio familiar”, afirma.
Ele explica que o conceito de envelhecimento ativo foi ampliado pela OMS ao longo dos anos, incluindo a participação da sociedade, onde está inserida a empregabilidade.

Nesse sentido, Neilson destaca que a presença social e profissional de pessoas mais velhas traz benefícios que vão além do campo individual.
“O fato deles voltarem a ter esse convívio social mais forte ajuda em muitos aspectos. Melhora a interação social, a intergeracionalidade, reduz o preconceito, mostra que eles são capazes de fazer tarefas que, às vezes, não são colocados para fazer, e que eles ainda têm, desde que estejam saudáveis, possibilidade de contribuir com a sociedade, com a economia e com as famílias”, finaliza.









