Era das intolerâncias: quando falta empatia, o corpo social adoece

Vivemos a era das intolerâncias. Intolerância à lactose, ao glúten, à frutose, à política, à opinião alheia. O corpo humano tem reagido com rejeição ao que não consegue processar e, curiosamente, o mesmo fenômeno se espalha para fora dele, na alma e na convivência. Somos uma sociedade que também desaprendeu a digerir o outro.

No campo biológico, a intolerância acontece quando o organismo perde a capacidade de absorver algo que deveria fazer bem. Falta uma enzima, e o corpo inflama. Há dor, desconforto, rejeição. No campo social, acontece o mesmo: quando faltam as enzimas da empatia, do diálogo e da escuta, o tecido coletivo se irrita. E, pouco a pouco, a sociedade inflama.

O Brasil vive um tempo em que opiniões são tratadas como ofensas e diferenças, como ameaças. O contraditório virou inimigo, e o debate, uma arena de ataques. As pessoas não querem mais conversar, querem vencer. O diálogo virou luxo, e a escuta, raridade. Perdemos a capacidade de coexistir e com ela, a saúde democrática.

As redes sociais, que deveriam aproximar, nos confinaram em bolhas. Cercados por telas que substituíram o olhar e curtidas que ocuparam o lugar da conversa, reagimos mais do que refletimos. Já não buscamos compreender, apenas confirmar o que já pensamos. Assim como o corpo rejeita o alimento que não reconhece, rejeitamos ideias que não combinam com o nosso cardápio mental. Tornamo-nos seletivos ao ponto da rigidez, incapazes de digerir qualquer divergência.

A classe política, por sua vez, tem alimentado essa inflamação. Em vez de oferecer pontes, multiplica rótulos; em vez de apaziguar, provoca. É como se houvesse interesse em manter o corpo social em permanente estado febril, dividido, vulnerável.

A polarização rende votos, mas destrói vínculos. E, sem vínculos, não há nação que se sustente.Talvez a cura não esteja em eliminar o que nos incomoda, mas em reaprender a processar o diferente. Assim como o corpo pode se readaptar com cuidado e equilíbrio, a sociedade também precisa restaurar suas enzimas morais: empatia, respeito, escuta e alteridade. São esses os elementos que permitem a digestão saudável das divergências.

Porque o problema nunca foi o outro. O que nos adoece não é a diferença, é a nossa incapacidade de conviver com ela. Democracia é o exercício constante da digestão mútua exige paciência, maturidade e disposição para ouvir. Quando aprendermos a acolher o que é diverso, o corpo social deixará de inflamar. E, talvez, possamos enfim redescobrir o sabor do convívio humano.

Sobre o autor

Wesley Araújo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos. Além de sua destacada atuação na advocacia, é também radialista e palestrante reconhecido na área de comunicação assertiva, onde desenvolve treinamentos, palestras e cursos voltados ao aprimoramento da comunicação pessoal e profissional. Atua como comentarista jurídico e político, unindo sua sólida formação acadêmica à habilidade prática de traduzir temas complexos para uma linguagem clara, objetiva e acessível ao grande público.

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