Aterro sanitário em Sergipe investe em aproveitamento de resíduos para geração de energia elétrica

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Aterro de Rosário, considerado um ecoparque por fazer queima de gás poluente, visa transição energética – Foto: Larissa Gaudêncio

Sinais mais marcantes da intervenção do homem na natureza, a produção e o acúmulo de lixo são constantes preocupações de autoridades e organizações que visam a preservação do meio ambiente em uma sociedade marcada pelo consumo exacerbado. Não obstante, estes mesmos entes, a sociedade civil e instituições privadas têm se mobilizado para encontrar soluções que minimizem os prejuízos causados pelo lixo ao planeta e aos próprios humanos. 

Neste sentido, os aterros sanitários surgem como o caminho mais adequado para o lixo comum, uma vez dotados de mecanismos e protocolos específicos para dirimir a poluição causadas pelo acúmulo desses materiais. 

Em Sergipe, o aterro sanitário de Rosário do Catete, a cerca de 40 km da capital sergipana, foi concebido tendo como objetivo a valorização dos resíduos sólidos e a minimização de impactos ambientais adversos. Destino do lixo gerado em 36 municípios sergipanos, o aterro se propõe a funcionar como um “ecoparque”. 

Isso decorre do fato de que o biogás oriundo da decomposição do lixo, rico em metano (CH4), um dos agentes responsáveis pelo efeito estufa, é captado e queimado no aterro, evitando seu lançamento à atmosfera. Já o chorume, que também é um subproduto do acúmulo de resíduos sólidos, é levado para uma estação de tratamento, onde é transformado em água de reuso. 

A tecnologia avançada amplia as perspectivas. Com a iminente chegada de um motor de geração de energia elétrica, o ecoparque pretende auxiliar na transição energética do estado, gerando energia para utilização dentro da própria unidade e, posteriormente, incorporação à rede elétrica. 

Resíduos e aterros sanitários

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística estima que a quantidade média de lixo gerada por pessoa gira em torno de 1,5 kg por dia. Considerando que Sergipe possui população superior a 2,3 milhões de habitantes, a última projeção divulgada coloca a produção estadual em 3,5 mil toneladas/dia, com base em dados de 2023.

Mas o que acontece com essa quantidade significativa de resíduos sólidos urbanos (RSU)? Conforme determina a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), através da Lei nº 12.30/10, os resíduos devem ser transportados para uma disposição final ambientalmente adequada que observe normas operacionais específicas, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública.

A instalação que se enquadra nessa definição de disposição final é o aterro sanitário, descrito pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) como um importante território econômico e social em que se dá o encontro entre resíduos sólidos e meio ambiente, e inerente ao processo de erradicação dos lixões a céu aberto.

“Toda a operação de um aterro sanitário é licenciada e fiscalizada por órgãos ambientais de controle. É a forma mais adequada para o tratamento final dos resíduos e ainda geram insumo para produção de biocombustíveis e geração limpa de eletricidade. Geram emprego e renda dignos para a população e são oportunidades de negócio para a transição para uma economia de baixo carbono. Os lixões são o oposto disso”, afirma o presidente da Abrema, Pedro Maranhão.

Ainda segundo a associação, o Brasil ainda está longe da chamada universalização do manejo ambientalmente adequado dos resíduos sólidos produzidos pela população, e também não vai atingir a meta de erradicação dos lixões, determinada pela PNRS para agosto de 2024.

Fonte: Abrema, 2022

Já em Sergipe, de acordo com dados divulgados pelo Ministério Público (MP/SE), por meio do projeto ‘Lixão Mais Não’, 36 lixões foram encerrados desde 2023, o que corresponde a cerca de 98% dos lixões que estavam em operação no estado. 

Aterro de Rosário do Catete: o aproveitamento de subprodutos

O aterro sanitário de Rosário do Catete está em atividade há 12 anos, mas somente em 2022 passou a ser administrado pela empresa Orizon, de onde vem a perspectiva de valorização de resíduos. No espaço, que recebe cerca de 464,21 toneladas de resíduos por mês, o aproveitamento do chorume e do biogás se coloca como uma alternativa promissora para atenuar impactos ambientais e, além disso, cumprir objetivos nacionais, como é caso da PNRS.

Esse processo começa com a coleta feita nos municípios pelos caminhões compactadores. Os resíduos domiciliares são levados até o transbordo, onde são separados e distribuídos em carretas que têm Rosário como o destino final. Já na unidade, esses resíduos são pesados e transferidos para a área de descarga. 

Segundo o gerente do ecoparque, Higor Cardoso, a aterragem dos resíduos é feita utilizando tecnologias específicas para garantir a impermeabilização absoluta do solo, impedindo a penetração ou lançamento de rejeitos ao meio ambiente. A valorização dos resíduos já é incluída nesta etapa, utilizando equipamentos que fazem a captação dos subprodutos. 


Ecoparque em Rosário do Catete é uma das instituições privadas que aporta recursos para inverter curva de emissão de gases do efeito estufa – Foto: Larissa Gaudêncio

“A descarga é feita em local composto por solo e material pétreo, que são as pedras. Eles fazem a descarga lá e o trator vai empurrando o resíduo, fazendo já a sua compactação. Nesse espaço, a gente tem drenagem vertical e horizontal, que servem para trazer o chorume até as lagoas de chorume e fazer a canalização do biogás através de sopradores”, explica. 

Oriundo da decomposição natural da matéria orgânica, o chorume é um líquido escuro, com forte odor e altamente poluente para rios e lençóis freáticos. Por esta razão, o sistema de drenagem vertical faz com que esse chorume seja destinado para uma estação de tratamento própria dentro da unidade, onde o líquido se transforma em uma água reutilizável, que abastece serviços essenciais para manutenção do aterro.


Chorume passa pela estação de tratamento e é transformado em água de reuso no aterro de Rosário do Catete – Foto: Larissa Gaudêncio

Por sua vez, o biogás possui alta concentração de metano (CH4), que é até 28 vezes mais poluente que o gás carbônico (CO²). No aterro, o sistema de drenagem vertical faz com este gás seja captado e queimado, gerando créditos de carbono e evitando que o gás poluente chegue à atmosfera.

No cenário nacional, o caráter promissor desse movimento já é notável. Segundo o BiogasMap, ferramenta que traça o perfil do uso do biogás, o país tem capacidade instalada para produzir 2,46 bilhões de metros cúbicos por ano (Nm3/ano) a partir do lixo ou esgoto. Em 2022, por exemplo, o volume total foi de 2,14 bilhões de metros cúbicos.


Sistema de drenagem vertical leva biogás até espaço de análise e queima – Foto: Larissa Gaudêncio

Para o gerente regional Nordeste do Grupo Orizon, Ramon Brant, todo esse processo é essencial para garantir o controle ambiental e sanitário das atividades do aterro.

Um aterro que não tem capacidade é altamente poluente, porque todo o metano gerado vai para a atmosfera, se você não tem nenhum tipo de destruição do metano. Aqui, todo o gás gerado no aterro é capturado, coletado, succionado e queimado. Então a gente não tem essas emissões”, afirma. 

Energia elétrica por meio do lixo: um passo inicial 

Apesar de já apresentar uma atividade adequada e responsável com o meio ambiente, a gestão do aterro sanitário de Rosário vislumbra avanços voltados para a transição energética. Para ressaltar mais o status de “ecoparque”, a gestão pretende instalar um motor que vai permitir que a queima do biogás sirva como combustível para geração de energia elétrica.

Por transição energética, compreende-se a maior utilização de fontes de energias renováveis dentro da matriz energética, com foco na redução de emissão de gases efeito estufa. Desde o acordo ambiental firmado durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em 1997, há grande preocupação com a emissão de gases poluentes na atmosfera. 

Dessa forma, alternativas para geração elétrica sem derivados do petróleo têm sido buscadas. Exemplos desse processo são a energia gerada através das hidrelétricas, da luz solar e da força dos ventos (eólica). Agora, dando seus primeiros passos, os resíduos sólidos também passam a ser vistos como um gerador de energia em potencial, o que pode auxiliar em um melhor manejo do lixo e na redução na emissão de gases poluentes.

Segundo Ramon Brant, a ideia é fazer com que a unidade se torne autossuficiente na produção de energia elétrica.

“O motor que a gente vai instalar já vai alimentar o próprio ecoparque por si só, esse é o primeiro momento. O próprio biogás tem uma demanda energética alta e a estação de tratamento de chorume também. Então, esse primeiro motor gerador vai alimentar o próprio ecoparque, e a gente vai ser autossustentável no consumo de energia elétrica”, aponta. 

Em suas palavras, esse movimento transforma o cenário que existia em Sergipe no tocante à destinação final de resíduos. 

“Você tem um estado que até pouco tempo era dominado por lixões. Hoje eu tenho um aterro que ele é referência em disposição final, ele é referência em tecnologia aplicada, e hoje a gente já consegue gerar energia através do resíduo. É algo que a gente imagina, que a gente às vezes até pensa que seja algo muito distante, mas não, isso está  acontecendo hoje em Sergipe”, completa.

Os impactos positivos

A produção de energia elétrica por meio dos resíduos sólidos não é inédita no país. Estados como São Paulo e também Pernambuco – especificamente em Jaboatão das Guararapes, onde há um aterro administrado pela mesma empresa que faz a gestão do aterro de Rosário do Catete – já geram energia elétrica por meio do lixo.  

Mesmo tratando-se ainda de uma alternativa nova e promissora para produção energética em Sergipe, a iniciativa deve ser considerada um grande avanço, tanto no meio ambiental quanto no meio científico.

O Núcleo de Energias Renováveis e Eficiência Energética (Nerees) do Parque Tecnológico de Sergipe (Sergipetec) faz pesquisas sobre novas tecnologias voltadas para o avanço de energias renováveis no estado. Atualmente, o núcleo estuda a geração de energia através de biomassa,  bioenergia e hidrogênio. 

Apesar de ainda não haver estudos específicos sobre geração de energia por resíduos sólidos, um dos pesquisadores, o engenheiro eletricista Marcos Felipe, gestor do Núcleo de Energias Renováveis e Eficiência Energética, avalia que a iniciativa do aterro de Rosário do Catete traz impactos positivos de ordem ambiental. 

Os avanços também podem ser notados na ordem econômica, haja vista a possibilidade dessa energia ser vendida para o sistema de abastecimento do próprio estado. 

“Você consegue criar um novo processo industrial, você consegue gerar empregos nesse processo industrial, você vai começar a criar pesquisa, você consegue desenvolver a academia. E tem uma questão econômica: eu posso rentabilizar em cima desse material, eu posso vender essa eletricidade para o meu Sistema Interligado Nacional”, explica Marcos Felipe.

Enxergar a possibilidade de gerar energia elétrica por meio de resíduos sólidos é um grande avanço para Sergipe, que ainda atua para erradicar todos os lixões e fazer melhor gestão de tudo que é produzido. 

“Quantos aterros sanitários existem? Será que todos eles já estão focados nessa situação de implementar a questão de geração, de capturar esse gás e gerar eletricidade? Então, isso é um caminho que vai ser perseguido e provavelmente todas as estações de aterros sanitários vão ser fontes provenientes para geração de eletricidade”, disse Marcos.

E como todo processo inovador, o pesquisador reforça a necessidade de estudos adequados para o melhor aproveitamento possível da decomposição do material orgânico para a redução de energia.

“Existe um investimento, mas hoje os estudos de viabilidade técnica já comprovam que é uma prática muito comum e muito possível de ser implementada. Cabe agora fazer um estudo do tipo de lixo, porque isso vai mudar um pouco de região, de característica, que material orgânico que ele tem ali pra gerar esse biogás, mas já é possível fazer esse tratamento desse gás e gerar eletricidade”, reforça. 

Apesar de todos os debates sobre os aterros sanitários, a chegada desta alternativa energética para Sergipe, mesmo ainda com passos iniciais, traz muita expectativa para o futuro. Com aporte financeiro e educação ambiental, se pretende, literalmente, ir do lixo à luz.

 

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