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Artigo: Somos Racistas?

Por Meire Mansuet

20/11/2024


Por Meire Masuet, Delegada de Polícia
Delegacia de Atendimento aos Crimes Homofóbicos, de Racismo e Intolerância Religiosa
Todo ano, no mês de novembro, principalmente no dia 20, vários meios de comunicação e várias pessoas falam sobre o racismo e sobre o enfrentamento ao racismo. Seminários, palestras e mesas redondas são promovidos para discutir o racismo.
Constatamos que, nos últimos 3 anos, essa temática foi um pouco mais falada em virtude do engajamento de artistas, jogadores de futebol e outras personalidades, que muitas vezes foram vítimas de discriminação pela cor da pele. Se levarmos em conta os diversos tipos de racismo, para além do racismo por cor ou raça, já teríamos conteúdo para refletir em inúmeros outros textos, mas hoje vamos permear o viés do racismo de cor, pelo 20 de novembro que hoje se rememora.
20 de novembro é a data em que o líder quilombola Zumbi dos Palmares foi assassinado no ano de 1695, no quilombo de Palmares, hoje território do estado de Alagoas. Esse marco histórico, ao longo dos anos, foi utilizado como referencial de data para pontuar uma luta que deve ser cotidiana e diária.
A morte de Zumbi deve sim ser relembrada como um momento ímpar no combate a escravização de pessoas negras, mas o que precisamos refletir sem cessar é sobre quais são os fatores geradores que nos impõem o enfrentamento atual e diário à discriminação e ao preconceito, para termos um dia no calendário, e atualmente feriado nacional, denominado Dia da Consciência Negra.
Partindo dessa ideia de buscar os fatores geradores das práticas discriminatórias devido à cor da pele, podemos tomar por norte a própria escravização do povo negro, a subsequente abolição, e dada a ausência de políticas públicas, esteio e meios de sobreviver de forma digna, a vivência destas foi à margem da sociedade, com exceções.
Assim, se inicia a prática da discriminação pela cor da pele, o achar que a pessoa negra é coisa, é objeto. A falta de respeito à condição de humanidade destas pessoas leva a sociedade a conceber um ser humano de segunda categoria, aquele que é indigno de conviver no meio destes, posto que, há muito pouco tempo, escravizados e reles serviçais eram.
Por que elevar o negro à categoria de membro da sociedade? Negro nem alma tinha, como chegaram a afirmar muitos “senhores” daquela época. Colocar o dedo nessa chaga é imprescindível para compreensão do porquê o preconceito está tão arraigado no coletivo brasileiro, o chamado racismo estrutural.
No Brasil, até os povos originários foram escravizados, e aí já temos que contextualizar outra forma de racismo, que é o de etnia. Voltemos ao racismo de cor e seguimos para a ausência de oportunidades, principalmente na educação para o povo preto. Lá em 1888, nós, os pretos, podíamos frequentar universidades? Escolas de nível médio? De nível fundamental?
Até hoje, o Censo do IBGE comprova que o maior índice de analfabetismo está entre as pessoas pretas, chegando a ser mais que o dobro do número de pessoas pretas e pardas analfabetas, em relação às pessoas brancas. Como alcançar os locais de destaque ou bons empregos se as pessoas pretas ainda hoje têm dificuldade de acesso ao estudo formal? Assim, é apontado o primeiro fator gerador do Racismo Estrutural, a ausência de igualdade de formação acadêmica entre pretos, pardos e brancos.
A falta de educação acadêmica inviabiliza o acesso aos recursos financeiros necessários para a subsistência da pessoa preta. Ainda existem críticas às políticas de cotas para negros, em concursos e no serviço público. Muitos consideram que os pretos e pardos devem concorrer de forma igual, não admitem a dívida histórica que o Brasil tem com o povo negro. E mais ainda, como se eles tivessem, na atualidade, as mesmas condições sociais, financeiras e educacionais de uma pessoa branca.
Basta chegar em um hospital e procurar saber quantos médicos negros e quantos médicos brancos existem. Muito simples de verificar o despautério dessa conta, que nunca fecha. E nas universidades, quantos professores negros ou professoras negras existem? E quantos professores brancos temos? Em toda profissão que exige formação acadêmica, o cenário é igual. E não podemos admitir de forma nenhuma que a pessoa preta sirva apenas para contemplação ou para diversão.
Partindo para o campo do discurso preconceituoso, será que podemos parafrasear a filósofa judia Hannah Arent e aplicar o conceito de “banalidade do mal” quando falamos no preconceito e discriminação do povo negro? Percebo a banalização do mal nos discursos de ódio, tão atuais, e nas práticas preconceituosas corriqueiras. O que mais justificaria a falta de respeito e a tentativa de invisibilizar a pessoa preta senão o fato de externar o mal que vocifera dentro de cada racista?
É um fator bastante plausível o ódio pelo ódio, o mal pelo mal, para que se discrimine uma pessoa pela sua cor da pele, porque ela é preta. Tudo isso desemboca na violência e na criminalidade, não porque a pessoa preta seja mais propensa ao crime do que a pessoa branca. Jamais, porém, a falta de oportunidades epigrafadas empurra as pessoas pretas mais uma vez para a margem da sociedade.
A nossa população carcerária é constituída de 70% de pessoas negras, o que isso significa? Que pessoas negras estão mais propensas à criminalidade? As pessoas negras são mais violentas que as pessoas brancas? Apenas a pigmentação da cor da pele pode definir o caráter de uma pessoa? Todos esses questionamentos merecem ser refutados pelos fatores acima expostos.
Mais que a cor da pele, a ausência de políticas públicas efetivas e eficientes para o povo preto empurra esses para a marginalidade. Assim, refletir de onde viemos e para onde queremos ir, como sociedade que acolhe e respeita as diferenças, se faz urgente e necessário.

E você, é racista?

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