Artigo – Técnica ou política? O limite da neutralidade na análise das contas dos prefeitos

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 849 com repercussão geral, estabelece um novo marco para a análise das contas dos prefeitos: o parecer técnico dos Tribunais de Contas passa a ter efeito autônomo para fins de inelegibilidade, sendo observado pela Justiça Eleitoral — ainda que a Câmara Municipal mantenha sua competência constitucional para o julgamento político dessas contas.

Sob a justificativa de coibir perseguições políticas e garantir imparcialidade, o STF atribui aos Tribunais de Contas a palavra final no que se refere aos efeitos eleitorais das contas públicas dos chefes do Executivo municipal. À primeira vista, trata-se de uma medida de racionalidade técnica. No entanto, a depender do olhar, pode representar um esvaziamento silencioso da democracia local.

As Câmaras Municipais, embora compostas por representantes eleitos, passaram a ter papel decorativo nesse processo. Se o Tribunal aprova, está aprovado. Se reprova, está reprovado — ao menos para os efeitos de inelegibilidade, independentemente do julgamento posterior pelos vereadores. Não há margem para revisão, ponderação ou contextualização por parte do Poder Legislativo que altere esse efeito específico. A política, nesse caso, foi descartada como sinônimo de distorção — como se a técnica fosse um território imune a interesses, composições ou interferências.

Mas não é. O que se vê é um movimento de centralização institucional sob o verniz da neutralidade. E isso nos leva a uma reflexão profunda: em que medida a exclusão do debate político, mesmo nos espaços de controle, fortalece ou enfraquece a democracia?

A decisão do STF busca proteger o processo eleitoral ao impedir que rejeições artificiais de contas impeçam candidaturas legítimas. É uma preocupação legítima. Mas não se pode ignorar que, ao reduzir o impacto político do julgamento feito pela Câmara, retira-se também um mecanismo de controle do povo sobre o poder local — mesmo que esse controle seja imperfeito, como toda construção democrática.

A política não é o problema. O problema é o seu mau uso. E a técnica, por mais respeitável que seja, também não está imune à contaminação do poder.Neste novo cenário, resta aos vereadores o papel de espectador da técnica. E à sociedade, o desafio de compreender que a neutralidade absoluta pode esconder escolhas muito bem calculadas.

📌 Dr. Eduardo Soares Ribeiro é advogado, palestrante e gestor público com atuação nacional. Atualmente exerce o cargo de Procurador da Câmara Municipal de Simão Dias (SE), com forte atuação na fiscalização e no controle da legalidade dos atos administrativos. Exerceu funções estratégicas no Governo Federal e no Governo do Distrito Federal e no Governo de Sergipe, assessorando diretamente governadores, senadores e deputados em articulações políticas, legislativas e institucionais. É fundador do Soares Ribeiro Advocacia, escritório com sedes em São Paulo e Aracaju, e membro da Comissão Nacional de Direito das Sucessões da OAB.

Dr. Eduardo Soares Ribeiro é advogado, palestrante e gestor público com atuação nacional. Atualmente exerce o cargo de Procurador da Câmara Municipal de Simão Dias (SE), com forte atuação na fiscalização e no controle da legalidade dos atos administrativos. Exerceu funções estratégicas no Governo Federal e no Governo do Distrito Federal e no Governo de Sergipe, assessorando diretamente governadores, senadores e deputados em articulações políticas, legislativas e institucionais. É fundador do Soares Ribeiro Advocacia, escritório com sedes em São Paulo e Aracaju, e membro da Comissão Nacional de Direito das Sucessões da OAB.

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.