O processo de sucessão, por vezes tratado com a frieza dos números e a impessoalidade dos inventários, é terreno fértil para a reprodução de desigualdades históricas. Entre essas, destaca-se uma que insiste em se manter viva, mesmo diante das conquistas civis e constitucionais: a invisibilidade da viúva no contexto da partilha patrimonial.
Em inúmeros casos concretos, a companheira sobrevivente — cônjuge ou convivente — é ignorada, desautorizada ou silenciada por filhos do falecido, que se veem, muitas vezes, como os herdeiros legítimos não apenas dos bens, mas também da prerrogativa de comandar sua administração. Tal postura é reforçada por um preconceito sutil: o de que a
viúva é frágil, desinformada ou desnecessária nos trâmites decisórios.
A isso, soma-se um erro jurídico recorrente e perverso: a confusão entre meação e herança. É preciso reafirmar com clareza: meação não é herança. A meação constitui direito originário da companheira, anterior à abertura da sucessão.
Confundir os institutos, como ainda se observa em práticas cartorárias, decisões judiciais e condutas familiares, é violar a ordem jurídica e promover injustiças que frequentemente resultam em vulnerabilidade financeira, dependência emocional e exclusão social.
A legislação atual é omissa quanto à proteção imediata da viúva quanto à fruição de sua meação durante o trâmite do inventário. Em muitos casos, bens comuns permanecem indisponíveis — ou sob controle exclusivo dos herdeiros — enquanto a viúva aguarda uma partilha formal que pode demorar anos. Essa inércia institucional não apenas viola o direito de propriedade, mas coloca em risco a subsistência de mulheres que, após anos de dedicação à vida familiar, encontram-se privadas de acesso aos recursos que lhes pertencem por direito.
Diante desse cenário, urge que o projeto de atualização do Código Civil preveja mecanismos concretos de garantia do uso imediato da meação, independentemente da conclusão do inventário.
Sugere-se, entre outras alternativas:
- Instituição legal de repasses mensais automáticos da meação líquida disponível, apurados com base no rendimento de bens comuns, aplicações financeiras e receitas patrimoniais, sem prejuízo da posterior compensação na partilha;
- Proibição expressa da suspensão de uso de bens comuns pela viúva, salvo decisão judicial fundamentada;
- Obrigatoriedade de nomeação da viúva como coadministradora provisória dos bens inventariados, garantindo-lhe acesso às informações bancárias, extratos e decisões negociais enquanto perdurar o inventário;
- Inversão do ônus da prova em litígios envolvendo exclusão da viúva das decisões patrimoniais, especialmente quando houver indícios de coação ou fraude.
Tais propostas visam não apenas garantir efetividade ao direito de meação, mas também corrigir distorções histórico-culturais que ainda sustentam estruturas patriarcais dentro
do Direito das Sucessões.
A sucessão patrimonial não pode ser compreendida como simples operação de cálculo. Ela é, antes de tudo, um processo de transição de vínculos, afetos e compromissos sociais. Ignorar a centralidade da viúva nesse contexto é perpetuar uma lógica de exclusão que envergonha o Estado de Direito e enfraquece os pilares da justiça distributiva.
Rever o papel da viúva, assegurar-lhe acesso imediato à meação e romper com a ficção de sua subalternidade são passos urgentes para um sistema sucessório mais humano, mais técnico — e, sobretudo, mais justo.

Eduardo Soares Ribeiro é advogado, membro da Comissão Nacional de Direito das Sucessões da OAB, procurador legislativo em Sergipe e sócio-fundador do Soares Ribeiro Advocacia. Atua nacionalmente com inventários, partilhas e planejamento patrimonial, com foco na proteção de famílias e na justiça sucessória. Para conteúdos jurídicos, siga @eduardoribeiro.adv.