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Empreen-DELAS: mãos que lapidam verdadeiros diamantes no município de Itabaianinha

Por Diego Rios

01/06/2024


Foto: Diego Rios 

O município de Itabaianinha, distante 118 quilômetros da Capital, é conhecido pela sua pujança empresarial e também pela capacidade de empreender do seu povo. Para se ter ideia, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corroborados com informações da Receita Federal, por lá 1.498 empresas estão ativas, o que representa cerca de 27 habitantes para cada empresa, levando em consideração os quase 41 mil itabaianinhenses que por lá residem.

Neste sentido, é bem verdade que, há muito tempo, a cidade tem deixado de ser conhecida como a “terra dos anões” para dar lugar ao agigantamento dos pequenos negócios, principalmente os comandados por mulheres.

Partindo dessa premissa, o Portal Fan F1 foi em busca dessas histórias de mulheres que matam um leão por dia em busca de levar o sustento para suas famílias e serem reconhecidas pela capacidade de empreender. De um canto a outro de Itabaininha, passando por diversos povoados, o que se viu foi uma avalanche de positividade, superação e sonhos. 

As mulheres vassoureiras das mãos verdes, a estilista que venceu o câncer com sua coleção de vestidos de noiva, a louça morena batizada pela escritora Cecília Meireles e o pirão de capão de Maria da Poxica, dão o tom do quanto empreender transforma realidades, impacta comunidades e encoraja pessoas ainda que elas estejam a quilômetros de distância. Vamos lá, embarque conosco nessa emocionante viagem pelo município de Itabaianinha!

 Mãos verdes e calejadas: combinação de sofrimento, gratidão e esperança em dias melhores

As mãos esverdeadas, não da palidez de quem toma um susto, escondem uma vida sofrida e os calos da labuta puxada por demais. Acordar ainda na madrugada, preparar comida para a jornada do dia inteiro, e ir para o mato em busca da matéria-prima que garante o sustento de uma família inteira. Essa é a realidade de mulheres dos povoados Muquem, Garangau e Mata Verde, no município de Itabaianinha. As mulheres que fazem a ‘vassoura da pindoba’, ou vassoura de ‘piaçava’, como é conhecida em todo o Brasil.

Mulheres que viviam no anonimato na ‘terra dos anões’, mas que se agigantaram após o professor Marcos Paixão identificar uma aluna, em sala de aula, que escondia um segredo: as mãos verdes da lida diária para ajudar a mãe na confecção das vassouras oriundas da folha da pindoba, além da timidez de quem era motivo de chacota em todo o colégio. Foi aí que o professor decidiu contar essas histórias para todo o Brasil e o Portal FanF1 foi em busca dessas personagens. 

No Povoado Muquem, distante 5 quilômetros da sede de Itabaianinha, a senhora Eurides Minelvina de Jesus, de 61 anos, tem orgulho de ter criado seus 10 filhos a partir da fabricação e venda da vassoura. Hoje, apesar de aposentada, ela ainda não modificou a sua rotina, tudo para dar um incremento na renda e ajudar os filhos, já criados, diante do desemprego inerente, principalmente, àqueles que a vida impossibilitou de seguir com os estudos.

Uma casinha pintada na cor de um vermelho que já desbotou faz tempo, diversos cachorros ‘vira-latas’ por todo canto, alguns nascidos há pouco tempo, poucos cômodos para uma família tão grande e uma estante na sala que, talvez, carregue um dos principais orgulhos de Dona Eurides: ter formado, no ensino médio, quatro dos 10 filhos.

As fotos não deixam dúvidas, Edinaldo, de 35 anos, Elielza, de 26 anos, Edinalda, de 24 anos, e Egnalda, de 19 anos, todos de “Jesus Torquato” no sobrenome, não cursaram uma universidade, mas conseguiram ir muito além do que o destino lhes reservava, graças ao sacrifício de sua mãe.

“Às vezes, meu avô trabalhava na roça, e aqui, acolá, a gente ia ajudar a plantar as manibas, plantar milho, plantar mandioca, mas o sustento era as vassouras. Quem me ensinou foi minha mãe e minha avó, que elas fazia e me ensinava. Eu sou assim, se eu ver uma pessoa fazendo uma coisa, não carece de me ensinar, se eu ver ali eu já aprendo. Agora, estudar não sei que troço teve não (risos). Também, eu não fui pra escola, como é que vai aprender ler com uma ruma de coisa dessa para tomar conta, né? Eu tenho 10 filhos”, justificou Dona Eurides. 

Há quatro anos morando no Muquem, ela, os filhos e o marido passaram 24 anos no Povoado Garangau, berço do feitio da vassoura, apesar de ter nascido no Povoado Mata Verde, onde ela diz ter começado a produzir vassoura quando tinha apenas 8 anos de idade. “A minha vida era essa, no mato tirando Pindoba mais minha avó, tirando o pau, fazendo vassoura, né? O trabalho da gente era esse”, contou orgulhosa.

Ela detalhou a rotina e revelou que o almoço dentro do mato tem um gostinho especial. “A gente para ir pro mato tem que se acordar mais ou menos umas 6 horas, aí se arruma e passa o dia no mato, volta umas 4 horas da tarde. Nesse tempo mesmo que eu andava mais a minha avó, nós chegava 5 horas da tarde em casa, passava o dia todo. Até hoje em dia mesmo, a gente quando vai pegar passa o dia todo no mato. Porque é muito pra tirar, despencar, amarrar todinha, aí é a mesma luta. A gente toma o café e leva o almoço, a farinha para comer meio-dia, e aí é um ‘de comer’ bom danado quando vai pro mato, não sei o que é que tem. (risos) É o costume né? Pode ser farinha seca, a comida no mato é melhor do que de dentro de casa”, revelou a vassoureira.

Atualmente, Dona Eurides repassa cada vassoura a R$ 2, ou até menos, a depender do atravessador que vai até a sua residência buscar. Mas, nem sempre foi assim! Durante muito tempo, ela e os filhos tinham uma rotina diferente para fazer com que as vassouras chegassem às feiras de Itabaianinha e também de municípios vizinhos.

“Antigamente a gente ia pra feira, eu vendia mais em Embaúba (Umbaúba). Aí, daqui pra cidade é uma passagem, um tanto, da cidade para Embaúba outro tanto, aí a gente ficava lá, quando a gente pagava as passagens, aquele gasto tudo, aí ficava quase nada. Aí Deus ajudou que agora, tem uns dois anos, a gente vende em casa, o rapaz vem pegar aqui, mas antigamente era nas feiras, mas só que a gente analisou porque quando a gente chegava tudo pago, quando chegava em casa não sobrava nada, somente aquelas coisinhas que a gente comprava, coisa de comida, e pra outra coisa não sobrava. Aí ficou mais melhor, pelo menos a gente faz e tá em casa mesmo. A gente vende mais menos, mas o trabalho é mais pouco”, contou Dona Eurides.

Com uma história semelhante à de Dona Eurides, Elenilda dos Santos, de 50 anos, aparentemente com uma vida mais próspera do que a da colega de vassoura, reside no Povoado Garangau, mas possui apenas dois filhos, Alex, de 16, e Tamires, de 32 anos.

Também iniciou na arte de fazer vassoura ainda pequena com a avó. “Minha avó que tirava as pindoba, as ‘paia’, no caso, mas só que ela não aprendeu fazer, aí as outras mais velha foi que aprendeu, o marido da minha tia fazia e nós aprendemos com ele, minha mãe também nunca aprendeu nada, só tirava a paia, só aprendeu nós mesmo. A gente começou desde 10 anos de idade, que aprendi a fazer a vassourinha pequena. A gente trabalhou na roça, quando foi depois aprendeu na pindoba e pronto, ninguém ficou na roça mais, tá tudo na pindoba mesmo. A gente ia de jegue tirando os matos, chegava de noite, 9 horas, dentro dos matos, tirando a lama e caindo nos mato, arriscando a vida. Cobra, tudo, já passou até uma em ‘riba’ nos meus pés no mato, eu de gravidez dele (do filho)”, contou sobre seu início, enquanto sentada no alpendre do sítio onde vive, amarrava uma vassoura.  

O estudo, assim como para Dona Eurides, não foi o seu companheiro. Apesar disso, Elenilda sonha em ter um trabalho menos dolorido. “Não é um trabalho fácil, é difícil, quem coisar (estudar) não quer não, quer outros trabalho. Muitos deixaram, outros se aposentaram, aí a gente que é mais novo tá ainda lutando, até a gente achar outro coisa melhor pra viver”, lamentou a vassoureira. 

Questionada se chegou a ir para a escola, ela é rápida na resposta e enaltece as irmãs que não seguiram na confecção de vassouras. “Fui ainda, mas não aprendi nada, estudei só o ABC, nem o nome aprendi, é mole, mas foi a cabeça que não deu mesmo, ainda pagava uma mulher, 1 real por noite, no tempo, pra estudar, mas não foi não. Eu disse ‘ói’, eu não aprendo nada mesmo, não vou não mais, e não fui não. Mas, minhas irmãs aprenderam, aí hoje em dia não trabalham não na vassoura. Uma é boleira, outra trabalhou como doméstica, só ficou na vassoura eu mesmo das irmãs. Um sonho rapaz, tenho né? É mais melhor do que a vassoura, né? Ter um emprego bom, né? Quem sabe se eu não ‘encronto’, né? Melhor do que a vassoura, para não ir pra os mato”.

Apesar disso, o orgulho em ser vassoureira ainda fala mais alto. “Foi tudo da vassoura, nossa família cresceu tudo da vassoura. Eu sou muito feliz, graças a Deus, a gente arruma o pão de cada dia, né? E com isso a gente arruma dinheiro de passear, comprar uma roupa, chinelo. Eu amo o que eu faço, com todo prazer, tô feliz quando estou nos matos tirando a ‘paia’. No dia que eu não vou trabalhar eu fico doente”, contou Elenilda, acrescentando que o filho não quer seguir os seus passos “Alex disse que não quer aprender a vassoura não, quer ser enfermeiro, a gente faz de tudo para ele estudar”. Mais uma vez, a vontade em ver os filhos seguindo outro caminho é inerente às duas trabalhadoras da vassoura.

A história das vassoureiras de Itabaianinha foi a vencedora nacional do Prêmio Professor Porvir, promovido pelo Instituto Porvir, com sede em São Paulo, que mapeia práticas pedagógicas inovadoras implementadas em escolas brasileiras de Educação Básica e reconhece os professores autores dessas experiências, sendo a maior plataforma educacional digital do Brasil. Neste caso, a história contada pelo professor Marcos Paixão tem enchido os olhos de muita gente Brasil afora e acalentado corações esperançosos por um mundo mais humano e menos desigual.

Fotos: Matheus Costa

Valdeilza Santana: o câncer, um sonho e o entusiasmo em empreender 

No município de Itabaianinha, bem no centro da cidade, o coração de uma costureira, de 45 anos, pulsa muito forte. Trata-se de Valdeilza Santana, uma mulher que em meio a um diagnóstico de câncer viu a sua vida virar de cabeça para baixo, em todos os sentidos. Quando, para muitos, a doença seria um prelúdio de tristeza, para Valdeilza foi a mola propulsora que a levou muito mais longe, onde ela nunca achou que chegaria.

“Finalzinho de 2021 fui diagnosticada com câncer e aí comecei o tratamento. Dentro de quatro meses após a cirurgia, eu acordei numa madrugada, eu estava falando com Deus. Passei 40 dias com Deus intensamente, acordando às madrugadas, e uma dessas eu acordei e disse ‘Senhor, eu estou me sentindo assim sem o que fazer, eu quero uma direção’, e aí eu senti como se ele tivesse me dizendo exatamente, ‘você vai trabalhar com vestidos de noiva’. Eu já era costureira, já fazia minhas roupas, de algumas pessoas, mas assim, para ter um pensamento de empreender com isso, surgiu a partir daí. Eu sempre sonhei em participar de um evento daqui da cidade, o Moda Mix, eu sonhava assim ‘meu Deus quando eu estaria naquela passarela com uma coleção? Eu sonhei com isso”, contou a costureira.

Em 2019, a jovem costureira foi ao Moda Mix como visitante, mas sonhava em ver uma coleção, assinada por ela, na passarela. “Em 2022, justamente nesse processo, eu senti um desejo tão grande de participar, e eu disse ‘ai meu Deus eu vou lá, vou perguntar como é que funciona e fui’. Eu disse, eu vou participar, vou vender a minha TV e vou pagar a inscrição, porque eu quero muito, era algo assim que vinha de dentro de mim, já era a questão da superação do problema. Eu fui lá, fiz a inscrição, mas aí eu disse como é que eu pago? Eu não sei, mas eu vou. Minha sobrinha disse ‘faça um vídeo tia, peça patrocínio’, eu disse ‘então eu vou fazer isso’. Fiz um vídeo, soltei no grupo do Moda Mix, que eu já estava inserida. Já fui lá pela fé, viu? Mesmo sem ter como, mas eu disse vai dar certo”, explicou Valdeilza.

Foi aí que um grupo de empresários abraçou a história dela e as coisas começaram a acontecer. “Eu falei eu estou enfrentando um câncer, mas eu também tenho muito sonhos, minha mente é produtiva, é criativa. Eu não quero olhar para dentro de mim, eu quero olhar para fora de mim, e isso aconteceu. A mente foi fluindo coisas muito boas e eu participei. Foi algo assim extraordinário, as peças feitas do meu jeito, mas eu não estava olhando estética, eu não estava me importando, eu queria participar daquele evento, aquilo estava me trazendo vida, sensação de bem-estar. Eu não estava preocupada se as pessoas iam olhar, ali estava uma realização de algo que era muito mais profundo do que simplesmente participar, eu não queria reconhecimento das pessoas”.

Uma grande rede de pessoas passou a sonhar junto com Valdeilza e tudo foi acontecendo para que a sua coleção de vestidos de noiva abrilhantasse o Moda Mix e acalentasse o seu coração. “Eu não tinha dinheiro para comprar os vestidos. Aí a minha irmã, ela disse eu vou te emprestar, ela não tinha dinheiro também, ela fez um empréstimo e me emprestou R$ 4 mil. E aí eu fui para Tobias Barreto, não estava nem aguentando tomar sol por conta das ‘quimios’, por causa da medicação forte, mas eu disse vamos, compramos os tecidos, toda empolgada. E aí começamos a fabricar os vestidos, mas era um gás sabe, uma coisa assim boa que me contagiava, e comecei a criar. E aí eu não tinha modelo, comecei a ver umas meninas que poderiam e disse, ‘olha, você poderia desfilar para mim, mas eu não posso pagar. Mas, você vai estar fazendo parte de um sonho’, e muita gente começou a sonhar”, disse emocionada.

E continuou: “Foi algo assim, maravilhoso, começaram a sonhar junto comigo. Tem um rapazinho também que me ajudou, ele foi treinando as meninas, colocava música na TV, e os passos, e ele foi assim me dando aquela assessoria e eu comecei a me sentir segura de pessoas que me cercaram, pessoas que começaram a sentir o mesmo amor que eu estava sentindo. Foi tudo uma cooperativa de pessoas que vieram junto comigo”. Foi assim que o seu sonho se tornou realidade.

Mas, Valdeilza não parou por aí. Após ter a sua coleção de vestidos de noiva na passarela do Moda Mix, ela decidiu que era a hora de empreender de uma vez por todas e se tornar uma grande estilista, mesmo sabendo que as dificuldades continuariam a fazer parte do seu caminho. “Eu aluguei um espacinho, depois eu não podia pagar o aluguel, eu disse vou tirar daqui. Fui para uma casa com um aluguel menor e não pude pagar o aluguel da casa, porque não estava fluindo. Depois eu disse, sabe de uma coisa, eu vou colocar os meus vestidos, porque aonde as peças estiverem as pessoas irão. Com a internet hoje, não existe mais porta fechada. Eu disse, olha eu vou fazer o seguinte, vou tirar a cama da minha filha do quarto da frente, vou limpar, tirar o guarda-roupa e vamos colocar os vestidos no quarto. Só que aí, eu fui visitar uma amiga e ela disse ‘como é que você está?’ Eu disse estou bem, um pouco cansada porque eu lavei o quarto para colocar os vestidos. Ela disse ‘como é que tá a loja?’ Eu falei ‘lavei o quarto, tirei tudo para colocar os vestidos’, ela disse não, você não vai colocar os seus vestidos no quarto da sua casa. Aí ela ligou para uma amiga, que é a dona desse espaço, e elas foram anjos de Deus na minha vida. Elas disseram você vai escolher entre esse espaço e um outro que tem do lado, e você vai ter uma carência para começar a pagar. Não existe isso no planeta Terra, como alguém te traz para um espaço no Centro da cidade e você vai ficar por um tempo, vai ter uma carência, quando as coisas fluírem aí você paga. Coisa de Deus, por isso estou aqui muito feliz. Eu sei que tudo que vem para as minhas mãos é Deus que me concede, eu tenho plena certeza, tudo isso aqui é prova disso, porque eu não tinha recursos humanos e financeiros para chegar a esse ponto”, reconheceu a agora estilista.

A arte de empreender parece estar na veia de Valdeilza, que conta as estratégias para atrair clientes. “Nós temos um Instagram da loja, é Divina Elegance, tem o meu Instagram também, e a minha sobrinha tá me assessorando, até tinha uma moça que vinha vestir os vestidos para a gente fotografar todos para poder colocar direitinho no Insta o que é que a gente tem. As pessoas, às vezes, procuram algo, mas não consegue ver porque não tá lá na página ainda todas as peças. Estamos nesse processo de organizar o Instagram, tô buscando o conhecimento de como vender pelo Instagram, de como apresentar o produto. A gente sabe que tem todo um processo, não é só colocar lá, tem que ver os meios, os caminhos, estamos pesquisando para sempre fazer o melhor. Coloquei a placa ali, que já é uma maneira das pessoas saberem que aqui tem um ateliê, os amigos, as amigas vão passando, repassando, porque além dos vestidos de noiva eu costuro para manter, tem que chegar uma peça ou outra. Tô trabalhando com isso e também focada nas peças para o desfile. O meu desejo é que as minhas peças voem o mundo, que as pessoas venham comprar, não quero alugar, eu quero vender. Eu quero fabricar, criar e que as lojas que alugam, que as pessoas que sonham em vestir um vestido princesa, lindo, que elas sonhem comigo, porque o meu slogan é ‘costurando sonhos’”, contou.

Valdeilza finalizou a conversa falando sobre sonhos e a realização pessoal com o momento em que está vivendo. “Eu ouvi como se Deus tivesse dizendo ‘filha, agrada-te do Senhor e eu satisfarei os desejos do teu coração’, justo no período da quimioterapia, do tratamento intenso. Meus cabelos tinham caído, estavam bem curtinhos. A minha felicidade, alegria de estar viva, foi a partir dali. Para chegar até aqui, estamos em abril de 2024, eu sinto uma grandeza divina em ter criado algumas peças. Eu poderia ter começado com dois, três vestidos, e eu vejo uma sala cheia de peças. Sabe a felicidade, às vezes eu olho para trás e nem lembro que eu tive um câncer, e foi tão recente. Todos os dias de manhã, eu arrumo a minha filha pequenininha para ir para a escola, e eu me arrumo, fiz a minha fardinha toda na elegância, e eu disse ‘eu vou para o meu trabalho, eu vou produzir, as minhas mãos, junto com as mãos de Deus, podem criar peças’, isso me dá uma felicidade enorme, porque as dificuldades são enormes, mas meus olhos não estão fitos nelas, meus olhos estão fitos em fazer algumas coisas acontecerem, e quando eu superei o câncer eu senti assim, ‘eu tenho uma nova oportunidade de vida, tenho uma nova chance, eu ressuscitei eu posso fazer melhor’”, finalizou Valdeilza Santana.

Fotos: Matheus Costa

Maria da Poxica: a liberdade em forma do pirão de capão

Chegar ao Povoado Poxica e não receber um convite para ir até o restaurante de Maria do Capão é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa. De Poxica para todo o Brasil, é assim que Maria dos Santos Lima, de 57 anos, ou simplesmente Maria da Poxica ou Maria do Capão, gosta de ser reconhecida. Dona do melhor pirão de capão da região, Maria sentiu na pele, desde muito cedo, o peso de empreender sendo mulher, em um povoado pequeno de Interior, e tendo que conviver com o ‘fardo’ de ser uma mulher separada do marido. Para dirimir as dúvidas, capão é um galo castrado para facilitar a engorda, inclusive esse termo faz parte do vocabulário do sergipano. 

Esclarecido o termo, vamos lá! O início de toda a jornada na culinária de Maria do Capão se deu ainda quando ela era casada e tocava o bar com o marido, se aventurando entre um tira-gosto e outro. Com a separação e um filho para criar, Maria da Poxica pegou uma tradição inerente às mulheres grávidas e decidiu acrescentar ao cardápio do seu bar, que, a partir daí, se tornaria um dos restaurantes mais frequentados de Itabaianinha. 

“No final  de semana eu servia tira-gosto e acompanhado eu fazia uma farofa. Depois, eu me inspirei na minha mãe, que era uma tradição quando  ganhava ‘neném’, todo mundo fazia o pirão durante nove dias. Eu  fui fazendo o pirão, foi caindo no gosto do povo e, graças a Deus, até hoje deu certo. Era pouquinha gente, depois foi acrescentando e hoje graças a Deus vivo disso. Na época, era uma opção de sobrevivência, eu tinha que procurar mais um cardápio para ampliar na renda, né? E aí foi quando surgiu o pirão. Aqui não tem outra coisa não, aqui a tradição é o pirão de Capão e eu não queria quebrar essa tradição, quis continuar com ele mesmo”, conta Maria.

De início, ainda na companhia do esposo, o local era pequeno e só cabiam quatro mesas. Mas, Maria sonhava ir muito além, o empreendedorismo estava na veia, e foi ampliando o local e dando o seu toque em cada detalhe. Sem contar, o amor pelo que faz, esse é um tempero mais do que especial. “Foi uma coisa que foi acontecendo, dia após dia e foi realizando esse pirão e graças a Deus hoje é um sucesso. Era bem pequenininho que só cabiam quatro mesas, e depois foi crescendo, cresceu o salão e surgiu o pirão de capão. Eu não sonhei, foi por acaso que aconteceu. O segredo é cozinhar com amor e gostar do que faz. Sempre eu cozinhei, eu gosto de cozinhar, é tanto que o pessoal comenta ‘porque você não coloca uma pessoa na cozinha para ajudar’, eu digo não, na cozinha sou eu, eu gosto de cozinhar, para fazer o pirão só serve eu”, disse a cozinheira.

Por lá, tudo é bem delimitado, mas sob o olhar atento de Maria, que circula por todos os cantos do estabelecimento e, ainda assim, não perde o ponto do pirão. “Tem as meninas que trabalham comigo, que ajudam, mas a dona de tudo mesmo, que auxilia tudo, sou eu. Eu separei e continuei aqui no comando. Eu que comando a cozinha, no salão dou as dicas às meninas para atender os meus clientes bem, mas a cozinha é comigo”.

Sobre a rotina para manter tudo em ordem, a empreendedora segue à risca. “Trabalho de terça a domingo e na segunda-feira dou folga às meninas e eu vou à procura do Capão. Eu tenho uns clientes que já me fornece, mas eu tenho que procurar também, eu saio 3h30, 4h da manhã para pegar o Capão. Na terça, 3h da manhã eu vou abater. E aí, três vezes na semana, quatro vezes, dependendo do movimento, eu mesmo abato, quando eu levanto 3h começo a matar, depois eu volto e já vou cozinhar”, orgulha-se.

E foi através do pirão de capão que Maria da Poxica viu a sua vida, e a da sua família, ser transformada por completo. “Criei meu filho, fez duas faculdades, construí minha casa, comprei meu carro, tenho meu quintalzinho de criar minhas galinhas, tudo do pirão. O pirão transformou a minha vida, a dos meus pais e de toda a minha família. A minha história foi transformada através do meu trabalho, do pirão do capão. Fico feliz e agradeço a Deus primeiramente, segundo aos meus clientes. Eu não sonhei, foi por acaso que aconteceu. Agora agradecer a Deus e pedir que ele me dê saúde, porque coragem de trabalhar eu tenho”, finalizou Maria do Capão, da Poxica e de Sergipe inteiro.

Fotos: Matheus Costa

Dona Nem: a louça morena de Itabaianinha batizada por Cecília Meireles

A última história de empreendedorismo feminino também vem do Povoado Poxica e passa de geração para geração. Poesia que encanta e mãos que adornam, assim pode ser considerada a arte de fazer peças de barro, esculpidas com zelo e distribuídas pelo mundo. A louça morena de Itabaianinha, como foi batizada pela famosa escritora Cecília Meireles, impressiona pela riqueza de detalhes e acabamento impecável, que fazem das peças, além de uma expressão artística bem elaborada, uma referência dentre artesãs de diversas partes do Brasil.

Para quem chega à residência de Valdeci Alves Guimarães, de 62 anos, conhecida como Dona Nem, a surpresa é grande ao se deparar com um ateliê que fica logo ao lado. De início, apenas um cartaz, na parede externa com o nome “Louça Morena” e o contato telefônico. Mas, ao levantar a porta, um local com diversas peças, de pratos e xícaras até panelas e enfeites, e um cantinho dedicado à fabricação delas, onde Dona Nem passa horas do dia olhando a rodagem, com as mãos mágicas e nervosas que até a fazem esquecer do mundo.

O início, segundo ela, foi de forma despretensiosa e pela necessidade de prover o sustento da família. “Eu comecei com 7 anos de idade, mas quando eu comecei e inventei as coisas foi quando eu casei, que eu tive um filho. Fazia comida era no fogão de lenha e eu precisava do fogão a gás, aí inventei umas peças e mandei para Salvador. Eu mandei uma bomboniere, o homem gostou e veio de Salvador. Quando veio, me encomendou 200 peças, isso aí já tem uns 35 anos. Aí depois disso para cá, eu fui inventando mais coisa, mais coisa, até flor de barro eu faço”, conta a artista.

Tigela de barro, panela de barro, flor de barro, era assim que ela chamava a sua arte. Até que, em uma feira de artesanato em Belo Horizonte, teve a honra de conhecer a escritora Cecília Meireles, que batizou suas peças de ‘louça morena’.

“Fui para Belo Horizonte para uma exposição, aí Cecília Meireles me viu lá na feira, gostou do meu trabalho, aí disse ‘como é o nome desse trabalho da senhora?’, eu falei ‘não tem nome não, o nome eu chamo prato de barro, travessa de barro’. E ela disse ‘eu vou batizar seu trabalho como louça morena, aí eu vou lá na sua casa’. Ela veio junto com o Sebrae, aí ela trouxe o Iphan e eles registraram como louça morena”, orgulha-se Dona Nem.

Ela continua: “as minhas peças já viajaram por um mundo todo, já foram para Espanha, Argentina. Eu vendo para quatro pessoas da Espanha, já vendi para duas da Argentina, elas moram em Salvador e mandam pegar de táxi, vendo para São Paulo, Rio de Janeiro. Aí nós acerta, combina quantas peças quer, eu dou o preço, aí eu vou levar em Tobias na transportadora, ele me dá o endereço, tiro nota e mando para São Paulo. Isso aqui, ninguém dava nada pela louça morena aqui, por esse trabalho, ninguém nem queria saber mais, aí depois que eu viajei, os turistas começaram a gostar do meu trabalho, começaram a vir para Sergipe para comprar. Já veio gente só para me conhecer da França, viram a reportagem de Paulo Vieira e vieram me conhecer, chegaram aqui queriam comprar tudo”.

Trabalho manual, rico em detalhes e que já ultrapassa a quinta geração. Mas, também, um trabalho cansativo e que já deixa sequelas para Dona Nem. “Eu aprendi com a minha mãe, já é cinco geração comigo. Aí eu fui inventando as coisas, fui inventando, e hoje tá aí, eu não ganho mais dinheiro porque não aguento. Adoeci da coluna, tenho hérnia de disco, bico de papagaio e artrose. Aí eu não aguento mais trabalhar por causa disso. No tempo que eu fazia mesmo, fazia mil peças no mês, 1200, depende. Depende do modelo, cada modelo é um processo diferente para você trabalhar, tem uns que anda mais rápido, outras custam mais para fazer”, explica a artesã.

Ela detalha sobre o processo de confecção da louça morena. “Aí eles trazem amassado (o barro), aí eu pago outra pessoa para cortar com o berimbau, 60 real, era 60, mas dessa vez eu paguei 80 para ele cortar, aí fica por 210, 220 a carroça. Aqui eu trabalho o dia todo, quando não tá doendo muito a coluna, é trabalhando e olhando para os carros, é o meu divertimento aqui o meu trabalho. Esse trabalho que eu fiz minha casa, fiz esse depósito, comprei aquela outra casa lá do outro filho, comprei uma moto para o outro filho, quando eu tava para comprar outra casa para o outro filho, eu já tava com dinheiro junto, aí adoeci e gastei o dinheiro. Não herdei nada de mãe, nem de pai, que eles eram pobrezinhos, não deixaram nada para mim herdar, foi tudo do meu trabalho. E hoje sou feliz por isso, não aguento mais trabalhar, mas eu tenho casa, não moro em nada dos outros”.

Por fim, Dona Nem, apesar de fingir não se importar com o reconhecimento das pessoas em relação ao seu trabalho, confessa um sonho e também a frustração de um título que nunca chegou. 

“Eu me considero assim uma pessoa inteligente, entendeu? Que através de mim, que muitas estão ganhando dinheiro aí entendeu? Eu tenho orgulho por isso, só que elas não gostam que diga que aprendeu comigo. Mas eu não ligo não, Deus sabe o que faz e Deus sabe de tudo, né? Deus sabe de tudo, nós não sabe de nada, não é verdade? Me falaram que eu ia receber um título, até hoje estou esperando e nunca apareceu esse título, uma carteira de mestre, até hoje. Já tô reconhecida até demais. Eu queria assim, que todo mundo fizesse, aprendesse, quanto mais a pessoa fazer, mais aparece gente para comprar”, finalizou Dona Nem da louça morena.

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