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LGBTQIA+ na política: eleitos batem recorde em 2022, mas ainda colidem em barreiras históricas
Por Larissa Gaudêncio
28/06/2023
“Sem diversidade não há democracia”. A fala de Evorah Cardoso, coordenadora de pesquisa e incidência da ONG VoteLGBT, expressa, além de uma perspectiva pessoal, um mote para a organização de grupos historicamente sub-representados, como as pessoas LGBTQIA+, em diversos espaços, especialmente na política.
Nesta quarta-feira, 28 de junho, é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ e, por isso, o Portal Fan F1 te convida a refletir sobre a potência dessas pessoas na política e a luta contra apagamentos sofridos ao longo da história.
O ano passado foi, sem dúvidas, significativo para o grupo. De acordo com informações da VoteLGBT, 324 candidaturas autodeclaradas LGBTQIA+ disputaram o pleito em 2022, sendo que 18 destas foram eleitas para o legislativo brasileiro. O número é duas vezes maior do que o registrado em 2018, quando foram eleitas 9 candidaturas do grupo no Brasil.
O mapeamento foi feito a partir das candidaturas que autodeclaram sua identidade de gênero e orientação sexual quando se cadastraram na plataforma. Em Sergipe, seis candidatas ao legislativo foram catalogadas, e destas, uma foi eleita por quociente partidário: a deputada estadual Linda Brasil (PSOL).
O levantamento sobre o desempenho eleitoral de pessoas LGBTQIA + reflete um esforço da VoteLGBT em produzir dados sobre essa população, uma vez que a Justiça Eleitoral não coleta informações sobre a orientação sexual e a identidade de gênero dos candidatos. Um agravante, segundo Evorah Cardoso, é também a escassez de dados sobre a população geral LGBTQIA+ no Brasil, o que dificulta a formulação de políticas públicas.
“Não foram acrescentadas perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero no Censo que foi concluído recentemente. Existe um compromisso do IBGE de inserir essas perguntas nas PNADs contínuas, mas isso requer um acompanhamento, especialmente em relação à formulação dessas perguntas, e se vão conseguir, da melhor forma, a coleta dessas informações”, explica.
As informações são produzidas, no final das contas, por instituições e a sociedade civil. Uma pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pela Havaianas em setembro de 2022, mostrou que mais de 15,5 milhões de brasileiros se identificavam como LGBTQIA+. O número corresponde a 9,3% da população que tem 16 anos ou mais no país.
Por outro lado, segundo dados da VoteLGBT, os eleitos do grupo, considerando as eleições de 2020 e 2022, correspondem a apenas 0,16% do total.
“O abismo que existe entre 0,16% dos cargos eleitos ocupados por LGBTs para 9,3% da população é da ordem de 25 vezes. Isso faz com que a população LGBT, entre os grupos excluídos da política, seja o grupo mais excluído. É uma sub-representação brutal, pois ao mesmo tempo em que a gente celebra a chegada de duas mulheres trans no Legislativo no ano passado, a gente lamenta o quão isoladas as vitórias LGBT estão em relação ao cenário político brasileiro”, completa Evorah.
Barreiras históricas
Para André Carvalho, cientista político e ativista pela democracia, o sistema partidário brasileiro não teve mudanças significativas para fornecer condições políticas para pessoas LGBTQIA+ acessarem espaços de poder. Em sua avaliação, na maioria das vezes o aumento do número de candidaturas não garante, necessariamente, o aumento no número de eleitos do grupo.
“Temos o exemplo da cota de gênero nas candidaturas que, em Sergipe, fez o número de candidatas subir de 40 em 2010 para 192 em 2022, de 14,84% e 35,45% das candidaturas respectivamente. O número de candidaturas dobrou, mas saímos de 5 eleitas naquele ano, para 7 no ano passado”, analisa.
No caso das candidaturas LGBTQIA +, de acordo com André, o número recorde registrado no ano passado decorre de uma organização da pauta durante o governo Bolsonaro.
“Felizmente, no caso das candidaturas LGBT+ o aumento no número de candidatos acompanha um aumento no número de eleitos, o que não se deu por uma mudança nos partidos, mas pelo crescimento de reivindicações e articulação da sociedade para isso”, destaca André.
Algumas vitórias conquistadas pelo grupo foram registradas, segundo o cientista político, a despeito da invisibilidade conferida a essas candidaturas e o subfinanciamento por parte dos partidos políticos.
“Não é incomum vermos minorias políticas se candidatando sem receber suporte partidário, atuando como um ator solitário e desacreditado no processo político. Muitos partidos ainda colocam corpos LGBTs de forma caricaturada para simular uma inclusão. Quantos partidos possuem LGBTs nos espaços de poder internos do partido, em suas diretorias? Ter candidatos não significa realmente incluir”, comenta André Carvalho.
Nesse sentido, pensando em mapear a visibilidade dessas candidaturas, a VoteLGBT realizou uma pesquisa em quatro paradas nas cidades de São Paulo, Florianópolis, Belo Horizonte e Rio de Janeiro no ano passado. As perguntas, sobre as intenções e comportamentos eleitorais, mostraram que aproximadamente 4 em cada 10 pessoas que participaram não conheciam nenhuma candidatura de pessoas LGBTQIA+.
A invisibilidade, segundo a coordenadora Evorah Cardoso, acontece também em relação às pautas defendidas por políticos LGBT, que acabam sendo limitados a um nicho, e muitas vezes, classificados como promotores de propostas excludentes.
“É uma forma de limitar a potência política desses parlamentares. Quando a gente pensa sobre uma política de saúde acolhedora para mulheres trans, por exemplo, significa que muitos outros grupos já foram contemplados. É uma política por igualdade, não por privilégios”, afirma.
Quem defende o quê?
“A política para mim, como lgbt, é sobre defender políticas públicas direcionadas para a saúde, educação e segurança pública”. Gigi Poetisa (PSOL), mulher lésbica, mãe de cinco filhos e agente comunitária de saúde, construiu sua candidatura rumo à Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese) com esse pensamento em 2022.
Gigi entrou na luta pelos direitos das pessoas LGBTQIA nos anos 1990, quando veio estudar em Aracaju. Foi o trabalho como agente comunitária, no entanto, que despertou o interesse pela atuação política.
“Já faço esse trabalho isolado na sociedade civil, mas percebi que a gente precisa se organizar pela sociedade, em todos os espaços políticos sempre levantei essa pauta. Como agente comunitária de saúde, fui verificando no atendimento da atenção básica que o grupo LGBTQIA+ tinha um atendimento diferenciado, sem um olhar de equidade, então comecei a ter esse olhar e me organizar coletivamente”, explica.
A incidência política de pessoas do grupo dentro dos partidos políticos teve um salto nos últimos anos, avalia.
“Foi uma luta muito árdua, mas é claro que com o conservadorismo do mandato de Bolsonaro essa chama se acendeu muito, essa questão do extermínio da comunidade LGBT foi enorme. Na luta do movimento nacional a gente teve a distribuição de recursos, mas ainda é difícil discutir a pauta LGBT nos partidos, nos de direita isso quase que não acontece”, comenta Gigi.
Segundo a coordenadora da VoteLGBT Evorah Cardoso, a presença de pessoas LGBTQIA+ nos espaços políticos está em construção. Ela avalia que há um bloqueio para as pautas do grupo devido, em grande parte, à invisibilidade sobre a potência de candidaturas e eleitos da comunidade.
“Se hoje a gente tem uma garantia legal da não discriminação e da criminalização por parte do Judiciário, é por tentarem fazer valer princípios constitucionais como a igualdade. A gente precisa do real quadro de quem são os lgbts na política do país, onde eles estão e qual é o grau de subfinanciamento e invisibilidade. Para isso, a gente precisa que a Justiça Eleitoral e o IBGE façam esse movimento de mapeamento”, finaliza.
Foto: Marcello Camargo/Agência Brasil