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Ouro branco, ouro roxo: a batata doce como preciosidade agrícola do Agreste de Sergipe

Por Diego Rios e Larissa Gaudêncio

04/06/2023


O sorriso do senhor José Valmir, agricultor de 60 anos formado pelo girar das estações, revela tudo. Onde o sol escaldante é amigo, a água nutre e a terra fértil é a expressão consumada de riqueza, ele descobriu que o ouro também vem da lavoura. Produtor rural desde adolescente, foi há 12 anos, quando começou a cultivar batata doce, que ele entendeu que o famoso ditado “vá plantar batatas” poderia ser ressignificado.

Estabelecido em uma propriedade no Povoado Tabua, zona rural do município de Malhador, no Agreste sergipano, atualmente José Valmir dedica seus dias ao cultivar de 2,5 hectares de batata doce, produção que rende uma média de 800 sacas de 40 quilos por ano, mas nem sempre foi assim. Apesar de ser uma raiz consolidada na região Nordeste, a batata doce ocupa hoje o lugar de lavouras mais tradicionais, como a de mandioca.

De acordo com José Valmir, foi a necessidade de se manter no campo para garantir a subsistência que falou mais alto. Quando não tinha mais recursos para investir no cultivo da mandioca, ele recorreu à batata doce, sobretudo, pelo baixo custo para a produção, o ciclo rápido e a fácil comercialização.

“A batata doce hoje está sendo uma das maiores produções e tem um dos maiores consumos do nosso estado. Malhador todo produz batata porque ainda é o melhor pra gente se manter, na hora de você comercializar, você tem a quem vender, o mercado aceita ela muito bem. Se tiver um tempo bom, for um ano chuvoso, você tira ela até três vezes por
ano”, disse José Valmir.

Essa realidade exposta pelo produtor é confirmada por dados divulgado pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), que expõem, além das vantagens relacionadas ao plantio, outro fator preponderante para o aumento da produção em Sergipe: o aquecimento do mercado para a batata doce com o crescimento dos preços praticados
por cada saca de 40 quilos.

“Teve um aumento grande nesses últimos anos, porque o máximo que a gente conseguia era R$ 1 por quilo e hoje estamos conseguindo R$ 2 por quilo, está saindo por R$ 60 uma saca de 40 quilos, e tem gente que está pagando até R$ 80”, completou José Valmir.

Agreste: onde o solo é mina e raiz é ouro
A história de adaptação dos produtores sergipanos à cultura da batata se assemelha às características da própria raiz. Considerada uma cultura rústica, a batata doce é tida como uma das culturas mais democráticas, plantada em vários estados no Brasil, com destaque para a região Nordeste. De acordo com dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola – LSPA, na série histórica de 2009 a 2019, o Nordeste foi responsável por 42,78% da área colhida de batata doce no país, o que corresponde a uma média de 20.007 hectares por ano.

Em Sergipe, municípios da região Agreste se destacam na produção e abastecem tanto o mercado do próprio estado, como também escoam o produto para outras regiões. Cidades como Itabaiana, Moita Bonita e Malhador aparecem nas três primeiras posições com relação ao rendimento médio (Kg/ha) da produção de batata doce no estado entre 2015 e
2019.

“A batata doce é uma cultura de bastante importância aqui para a região do Agreste. Aqui em Sergipe os principais produtores são Itabaiana, Malhador, Moita Bonita, Ribeirópolis, Riachuelo, Campo do Brito e Areia Branca, que correspondem por 98,3% da produção doestado”, explica Valtenis Braga, técnico da Emdagro.

Além da resiliência dos produtores do Agreste, de acordo com o técnico, é o conjunto de fatores climáticos e do solo desta região que garantem o protagonismo na produção de batata doce.

“Esses municípios são tradicionais produtores dessa cultura, pois apresentam áreas com solo argiloso, com textura mediana e acima de 50 cm, adequado para a batata. Também existem fatores climáticos, porque temos aqui no Agreste uma pluviosidade em torno de 1200 mm por ano. Esta cultura se apresenta viável para os municípios pela rusticidade, capacidade de adaptação ao solo e também pela rentabilidade financeira. A produtividade em terreno irrigado, por exemplo, chega de 18 a 20 toneladas por hectare”, completou Valtenis.

Ouro branco, ouro roxo
A riqueza, além de oriunda dos proventos com a safra, está também na própria batata, expressa nas diferentes cores, texturas, sabores e usos. Essas características são preponderantes para projetar o tempo de cada ciclo, o cuidado necessário para cada
especialidade, a forma de consumo e, principalmente, a qual público a batata irá servir. Dessa forma, no exercício de orientar os agricultores sobre a dinâmica de produção e escoamento da batata doce, a Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Cooperafes) de Moita Bonita tem um papel essencial.

Segundo o presidente da Cooperafes, José Joelito, a entidade conta com a participação de 76 cooperados, entre
agricultores familiares e maiores produtores de batata doce.

“Hoje trabalhamos com duas variedades roxas, a roxa ligeira, com ciclo rápido, que ajuda muito o agricultor por conta da produtividade, e a roxa italiana, que tem a polpa amarela, e é bem docinha, então o mercado para ela é muito bom. Também temos a branca, chamada de nova italiana, que é uma batata também de ciclo rápido e muito bonita esteticamente”,explicou.

Cada variedade, segundo o presidente, atende a um público específico, seja de municípios de Sergipe ou de outros estados. Enquanto o mercado interno conta com a força dos mangaieiros, pequenos vendedores que levam caixas dos produtos para as feiras livres, os atravessadores ajudam a escoar a batata doce do Agreste sergipano para várias regiões do Brasil.

“Os mangaieiros fazem um trabalho de formiguinha, e quando a gente multiplica, isso fica muito grande. Outros mercados muito vistosos são o de Salvador, onde consomem muito a batata doce branca, Vitória da Conquista e Juazeiro da Bahia, de onde a batata vai para outros estados, inclusive, da região Norte. Também mandamos batata para Maceió, que tem uma expressividade por conta da batata roxa, Caruaru, Campina Grande e em alguns períodos levamos para a região sudeste, para Minas e São Paulo”, completou José Joelito.

Batata Doce: massa e força
Quem tem batata doce no DNA observou o alimento se tornando base para a segurança alimentar e ganhando o status de produto aliado do “mundo fitness”. Quando o agricultor Carlos Diego, de 35 anos, nasceu, o pai dele já plantava batata, e aos oito anos de idade, Carlos também começou o cultivo.

Hoje ele possui uma propriedade na zona rural do município de Moita Bonita, de onde colhe uma média de 1500 sacas de 40 quilos por safra. Essa trajetória permitiu que ele observasse uma tendência sendo criada nos últimos anos.

“A batata doce ficou muito procurada por conta desse negócio de academia, para as pessoas ganharem mais músculos. Nós produzimos na cooperativa uma farinha de batata doce e as pessoas comem como se fosse a farinha de mandioca, para ganhar massamuscular”, explicou.

De acordo com a nutricionista clínica Mariana Fiel, o alto valor nutricional da raiz, corroborado por pesquisas científicas, ampliou o espaço que a batata doce ocupa na hora das refeições. Atualmente, a raiz é valorizada fortemente por um público específico quepreza pela qualidade de vida.

“Por ser fonte de carboidrato, a principal composição é carboidrato, mas ela é composta também de proteína, é uma fonte vegetal de proteína, de sais minerais, alguns sais que auxiliam no controle da pressão arterial e vitaminas do tipo A e do complexo B, que auxiliam na saúde da visão, ou seja, é uma raiz bem completa”, explicou a nutricionista.

As atribuições nutricionais da batata doce também a colocam em um papel importante no tocante à políticas públicas relacionadas à segurança alimentar. A raiz começou a ser adquirida dos produtores familiares para a incorporação no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

“Aqui eu produzo mais batata roxa e boa parte vai para a Cooperativa, e de lá para o Pnae. Eles fazem bolinhos com a batata e esses bolinhos vão para a merenda escolar de alguns municípios próximos”, completou o produtor Carlos Diego.

As pessoas são a “raiz” do negócio

“A batata doce hoje é responsável pelo emprego rural na região Agreste de aproximadamente 70% das pessoas”. O dado, trazido por José Joelito, presidente da Cooperafes de Moita Bonita, reflete a cadeia empregatícia gerada da plantação até a
chegada da batata doce no prato do consumidor.

“A batata doce emprega gente na hora de plantar e durante os tratos culturais. Já na época da colheita tem as pessoas que vão tirar as ramas, colher, carregar, as pessoas que vão lavar a batata, o ensacador, o cara que vai carregar o caminhão e até mesmo o caminhoneiro que vai ter o frete”, afirmou.

O agricultor Wladimir Souza, planta a raiz há 15 anos no município de Malhador e ressalta a importância da batata para a subsistência dos cidadãos do Agreste. Com um território de 8 hectares, ele colhe até 3 mil sacas de 40 quilos por ano e se orgulha de empenhar mão de obra do próprio município no trabalho.

“A batata doce, como é colhida de duas a três vezes no ano, é muito importante porque muitas pessoas não têm emprego, os municípios daqui são pequenos e a sorte do comércio local é a batata doce. Eu já cheguei a ter quase 30 pessoas por dia trabalhando aqui, ou seja, tem trabalhador que consegue tirar quase R$ 2 mil reais por mês”, disse o produtor.

“Vá plantar batatas”: coisa boa
Toda essa cadeia ganha ainda mais uma fase devido a versatilidade do uso das variedades da batata doce. Nos últimos anos, o produto in natura tem sido transformado em alimentos industrializados, como farinhas, doces e biscoitos. A Cooperafes de Moita Bonita, por exemplo, incorporou há cinco anos a produção da farinha de batata doce para garantir o preço mínimo da raiz para o agricultor.

“Se chega a época da safra e você não colhe, ela começa a perder a qualidade, o agricultor não consegue vender o produto e tem que vender ao negociante o preço que ele está pagando. A gente viu a necessidade de tentar industrializar para estocar e garantir o preço mínimo para o agricultor em seu produto. Esse preço deve cobrir pelo menos o custo de produção e manter o agricultor no campo. O próximo passo é fazer uma visita em São Paulo para conseguir tecnologia e produzir a cachaça e o etanol de batata doce”, explicou José Joelito, presidente da Cooperafes.

A geração de renda e o uso da mão de obra da agricultura familiar tem chamado atenção para a necessidade de iniciativas, sejam do setor público ou privado, que orientem os produtores e os auxiliem a iniciar ou manter a produção de batata doce, vista a importância econômica, nutricional e sociocultural para o estado.

O projeto é tido como de suma importância para agricultores de batata doce que têm colhido bons frutos, literalmente, do incentivo financeiro fornecido por entidades. Todas essas iniciativas, que surgem de entidades como cooperativas, instituições e pastas do setor governamental, reafirmam o espaço crescente que a batata doce tem ocupado não só nas refeições, como também na construção de um espaço agrícola que é transformador socialmente. No Agreste, onde as raízes são comprovadamente mais forte, os agricultores, sem expertise nos minérios, encontraram ouro. Seja branca ou roxa, vá plantar batatas!

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