Artigo: Unificar as eleições no Brasil – uma solução fácil para um problema mais profundo?

Foto: José Cruz/ Agência Brasil


À primeira vista, a proposta de unificar as eleições no Brasil pode soar como música aos ouvidos de quem se preocupa com os altos custos do processo eleitoral. Não é para menos: somente nas eleições de 2024, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinou aos partidos políticos nada menos que R$ 4,9 bilhões.

Uma cifra bilionária que, em tese, poderia ser investida em saúde, educação, infraestrutura ou políticas públicas voltadas à população mais vulnerável. Mas será que juntar todas as eleições em um único pleito — municipais e gerais — resolveria de fato os problemas que enfrentamos? Ou estaríamos apenas empacotando desafios distintos em uma mesma caixa, correndo o risco de esvaziar o debate e enfraquecer ainda mais o envolvimento da sociedade com a política?

A ideia de economia é, sem dúvida, sedutora. Menos urnas, menos logística, menos gastos com mesários, segurança e estrutura. Porém, na prática, a economia talvez não seja tão real quanto parece. Unificar as eleições significaria concentrar todos os custos em um único momento, exigindo dos cofres públicos um repasse volumoso de recursos de uma só vez. Hoje, esse custo é diluído em ciclos de dois em dois anos — o que é financeiramente mais viável do ponto de vista orçamentário.

Além disso, há um aspecto ainda mais delicado: o empobrecimento do debate público. Nas eleições gerais, as pautas são amplas: economia, segurança pública, previdência social, políticas ambientais, porte de armas, aborto. Já nas eleições municipais, o foco é outro: saneamento básico, transporte público, escolas, saúde no bairro, iluminação de ruas. Cada eleição tem um papel, um tempo e um contexto. Juntar tudo em uma só eleição seria o mesmo que tentar resolver uma reunião de condomínio e uma conferência sobre política internacional na mesma mesa.

Vale lembrar que, na realidade brasileira, o eleitor costuma se interessar muito mais pelas questões locais do que pelos grandes debates nacionais. Isso acontece porque é no município que a política afeta diretamente a vida das pessoas — seja na melhoria da rua, na coleta do lixo, no posto de saúde ou na escola do bairro. E há um fator decisivo nessa relação: em muitas cidades, especialmente nas menores, boa parte da população depende da prefeitura para trabalhar. O vínculo com o poder público local é tão forte que não é raro encontrar famílias inteiras com alguém empregado direta ou indiretamente pelo município. Por isso, a eleição municipal mobiliza tanto a comunidade: está em jogo o emprego, a renda e o acesso a serviços essenciais.

Outro argumento relevante é que o ciclo eleitoral de dois em dois anos permite o aperfeiçoamento do nosso sistema democrático. O Brasil ainda é uma democracia jovem e em constante construção. Eleições periódicas nos ajudam a aprimorar tecnologias, como as urnas eletrônicas, e a ajustar as regras do jogo, com base na experiência acumulada.

É claro que o sistema eleitoral brasileiro precisa de reformas. Mas unificar eleições pode ser uma solução simplista para problemas mais profundos. Seria como propor um aniversário coletivo: todos comemoram juntos, mas ninguém ganha presente, pois, todos são os donos da festa. O risco é termos campanhas abarrotadas de candidatos, debates rasos, pouca clareza nas propostas e, no fim, eleitores ainda mais distantes do processo.

Afinal, mais importante do que a frequência das eleições é a qualidade das escolhas que fazemos nelas. O verdadeiro custo para o Brasil não está nas urnas, mas nas consequências de eleger maus gestores. Por isso, em vez de buscarmos atalhos perigosos, talvez o melhor caminho seja investir em educação política, transparência, participação cidadã e, sobretudo, em critérios mais conscientes na hora do voto. A democracia custa caro — mas o preço da omissão é ainda maior.



Sobre o autor

Wesley Araújo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos. Além de sua destacada atuação na advocacia, é também radialista e palestrante reconhecido na área de comunicação assertiva, onde desenvolve treinamentos, palestras e cursos voltados ao aprimoramento da comunicação pessoal e profissional. Atua como comentarista jurídico e político, unindo sua sólida formação acadêmica à habilidade prática de traduzir temas complexos para uma linguagem clara, objetiva e acessível ao grande público.

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